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Argentina: inovação, diversidade e futuro na taça

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Há muito tempo o vinho argentino conquistou seu espaço nas prateleiras e nas taças brasileiras, com o Malbec como embaixador absoluto. Mas o que pouca gente percebe é que, enquanto seguimos confortavelmente apaixonados pelos tintos intensos de Mendoza, os produtores argentinos vêm protagonizando uma revolução silenciosa e deliciosa. Novas variedades, técnicas ousadas, regiões antes improváveis. A Argentina do vinho está mudando, e quem não prestar atenção corre o risco de ficar pra trás.

No último final de semana, participei de um almoço promovido pelo instituto Wines of Argentina, responsável por promover os vinhos do país no exterior. O encontro aconteceu em São Paulo e reuniu jornalistas, sommeliers e profissionais da área para uma experiência gastronômica harmonizada com vinhos pouco óbvios. O cardápio, assinado pelo Evvai, com sua proposta de alta cozinha italiana contemporânea, serviu como palco para apresentar uma Argentina menos turística e muito mais experimental.

Quem conduziu o evento foi Mariana Torta, embaixadora da Wines of Argentina na América Latina. Conversamos sobre tendências, resgate de variedades antigas, a explosão dos brancos e laranjas e a forma como o país vem se posicionando com uma linguagem ousada e autoral. Spoiler: se você ainda acha que vinho argentino é só Malbec, prepare a taça e a cabeça para o novo.

Muito além do Malbec

“Desde o Wines of Argentina, queremos comunicar todas as possibilidades de qualidade que o vinho argentino oferece. Não é só Malbec. Claro que o Malbec é muito importante e há muita diversidade dentro dele, mas a ideia (para este almoço) foi escolher brancos, laranjas, Pinot, vinhos com flor, rancios… e mostrar que são vinhos de alto nível, à altura de uma gastronomia de alta gama”, explica Mariana.

A seleção de rótulos para o almoço não deixou dúvidas: havia Semillon com fermentação com flor, branco com maceração pelicular (os chamados “vinhos laranjas”), Chardonnay de altitude, Pinot Noir delicado e um Rancio que deixaria muito produtor do sul da França inquieto. Cada garrafa contava uma história diferente, e todas fugiam do óbvio.

Brancos: o retorno triunfal

Um dado curioso chamou a atenção: a maioria dos vinhos servidos era branca. Para um país cuja imagem está tão ligada ao vinho tinto, foi um belo choque de realidade. “A Argentina foi um grande produtor de vinhos brancos nos anos 70 — Semillon, Chardonnay e Chenin Blanc. Depois a tendência mudou e muitas dessas plantas foram substituídas por variedades tintas”, conta Mariana. “Hoje essa tendência está voltando, também por causa do mercado e da nova gastrosnomia, mais leve, com pratos à base de vegetais e peixes que ganham espaço tanto no mundo quanto no mercado local.”

O curioso é que esse resgate vem acompanhado de uma dose generosa de inovação: há brancos com leveduras indígenas, maturação em ânfora e fermentação com flor (à la vin jaune). Nada disso é feito como modismo: os produtores estão usando essas técnicas para expressar melhor o terroir e criar vinhos que falam com o presente.

O novo espírito argentino: experimentação com identidade

Pergunto a Mariana como a Wines of Argentina enxerga esse movimento mais experimental, muitas vezes distante dos padrões comerciais. A resposta é clara: “O nosso trabalho é promover todas as tendências dos nossos produtores, as novidades e também os novos terroirs do vinho argentino. A comunicação é a chave nesse sentido. Fazer eventos como esse, convidar profissionais e comunicadores a degustar esses vinhos, é a nossa melhor publicidade.”

Ou seja, inovação não é um desvio de rota: é parte da estratégia institucional de valorização da diversidade. E essa diversidade é real. Durante o evento, circularam à mesa exemplares de Cafayate, Patagônia, Vale do Uco e outras sub-regiões de Mendoza, cada uma com solo, altitude, clima e proposta distintos. Para o consumidor, é o início de um mapa novo, ainda em construção.

A aposta nas uvas “esquecidas”

Se a Argentina quer se reinventar, ela não precisa importar nada: basta olhar para o próprio passado. Um dos movimentos mais interessantes em curso é a redescoberta de variedades que antes viviam à sombra do Malbec. A começar pela Semillon, que Mariana destaca com entusiasmo. “Sem dúvidas, a Semillon está dando grandes vinhos. Também a Chenin Blanc, com rótulos mais complexos e boa capacidade de guarda.”

As uvas crioulas, como a Criolla Chica e a Criolla Grande (parentes distantes da Mission americana), também entram nessa dança. Apesar de sua simplicidade, têm potencial para vinhos leves, frutados e com baixíssimo teor alcoólico, perfeitos para os tempos atuais. “São bem lindas de descobrir”, diz Mariana, com cumplicidade.

No campo dos tintos, além do onipresente Malbec e do já consagrado Cabernet Franc, a Garnacha vem ganhando espaço, especialmente em Mendoza e no norte do país. A uva, que se adapta bem a climas quentes e secos, permite vinhos mais frescos e gastronômicos, com aromas de frutas vermelhas, toques de especiarias e taninos macios. Uma grata surpresa.

Novos terroirs: da altitude ao extremo sul

Se Mendoza ainda reina absoluta em volume e fama, novas regiões começam a despontar com força. O Valle de Pedernal, em San Juan, tem chamado a atenção por sua altitude e solos pedregosos, que garantem acidez e frescor excepcionais. A Patagônia, com seus ventos frios e clima seco, entrega Pinot Noirs elegantes, Chardonnays vibrantes e ótimos espumantes.

No extremo norte, Cafayate e outras áreas dos Vales Calchaquíes, a mais de 1.700 metros de altitude, estão provando que é possível produzir vinhos de personalidade marcante, com tipicidade e estrutura. Já no sul, na emergente região de Chubut, perto da Patagônia atlântica, os vinhos são moldados por ventos gelados e amadurecimento lento, um prato cheio para os fãs de vinhos elegantes.

Esse mosaico de terroirs é hoje um dos trunfos da Argentina, que aposta na diversidade geográfica como diferencial competitivo. Mais do que um país de um só rosto (o Malbec de Mendoza), temos agora uma constelação de rostos, estilos e intenções.

Um novo capítulo argentino

A Argentina que surge neste momento é menos industrial e mais artesanal, menos padronizada e mais inquieta. Os grandes grupos ainda existem, claro, mas há uma onda crescente de pequenos produtores que fazem vinhos de mínima intervenção, respeitando o ritmo da natureza e buscando o equilíbrio entre tradição e vanguarda.

É o caso de projetos como Ver Sacrum (focados em Garnacha e variedades do Rhône), El Porvenir (referência no norte argentino), Durigutti Family Winemakers (com linhas de terroir e vinhos ancestrais), entre outros que apostam em solos diferentes, métodos ousados e expressão pura do lugar.

Para o consumidor brasileiro, que já conhece e ama o Malbec, é a chance de virar a página e explorar novos capítulos dessa história. E o melhor: sem medo. A nova Argentina não quer ser só diferente, ela quer ser profunda. Quer provocar, emocionar, abrir conversas. E se depender do Wines of Argentina, essa conversa está só começando.


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