O Vinho da Madeira
É uma ilha com nome de vinho ou um vinho com nome de ilha?
A Ilha da Madeira é um território português situado no Oceano Atlântico, a sudoeste de Lisboa, e a cerca de 600km a oeste da costa norte africana. Ela é a maior e mais importante do Arquipélago da Madeira, com 57km de comprimento e 23km de largura.
Ilha da Madeira | Fonte: http://www.justinosmadeira.com
A ilha tem origem vulcânica, com muitos vales e montanhas íngremes. Cerca de metade do território fica acima dos 700m de altitude, com alguns pontos chegando a mais de 1.800m acima do nível do mar. Tudo isso dificulta bastante a viticultura. Por esse motivo, as videiras são cultivadas em pequenos terraços, chamados de poios, que são recortados nas montanhas e escorados por muros de basalto.
Ilha da Madeira, lar do Vinho da Madeira | Foto: Reprodução / Madeira Wine Company
Por lá, é produzido o Vinho da Madeira (ou, simplesmente, Vinho Madeira), um vinho fortificado, que passa por um processo de envelhecimento bem curioso, através de aquecimento. Enquanto qualquer outro vinho do mundo foge das altas temperaturas, o Madeira se beneficia disso. Aliás, esse é o seu grande diferencial!
UM VINHO ACIDENTAL?
Um vinho que é submetido ao calor durante seu envelhecimento: quer dizer que alguém simplesmente resolveu aquecer o vinho pra ver no que dava e acabou gostando? Calma, que não é bem assim. O processo de maturação do Vinho da Madeira surgiu, na verdade, muito por acaso.
Durante o período dos descobrimentos, entre os séculos XV e XVI, navios de carga transportavam barris de vinho e outras mercadorias em longas viagens, muitas vezes com destino a regiões de clima tropical. Com o tempo, percebeu-se que o vinho transportado a esses locais mais quentes, depois de meses submetido às altas temperaturas do navios, tornava-se mais saboroso.
A partir daí, foram desenvolvidas as técnicas de aquecimento lento utilizadas até os dias de hoje: Canteiro e Estufagem.
A ELABORAÇÃO
Cerca de 90% dos Vinhos da Madeira são elaborados a partir de blends, nos quais predomina a uva Tinta Negra (ou Tinta Negra Mole) que, como o nome diz, é tinta. Os outros 10%, em sua maioria, são varietais, elaborados com as castas Sercial, Verdelho, Boal (ou Bual) e Malvasia (também conhecida como Malmsey por lá). Essas últimas quatros uvas dão origem a vinhos de maior qualidade, nos estilos seco, meio-seco, meio-doce e doce, respectivamente. A Tinta Negra, por sua vez, elabora vinhos nos quatro estilos.
A Tinta Negra Mole é utilizada em 90% dos Vinhos da Madeira | Foto: Reprodução / www.mondovino.ch
Ah, e se você encontrar por aí uma garrafa de Madeira produzido com a uva branca Terrantez e estiver dentro do seu orçamento, compre na hora. Ela quase não é mencionada nos livros, porque os vinhos produzidos com ela são muito raros (e muitíssimo requisitados).
Durante a fermentação, os vinhos são fortificados através da adição de álcool vínico com cerca de 96% de volume. Como o excesso de álcool mata as leveduras, interrompendo a fermentação, sua adição é feita em diferentes momentos, dependendo da doçura que se deseja dar ao vinho. Malvasia e Boal, que originam vinhos nos estilos doce e meio-doce, são fortificados mais cedo, garantindo, assim, uma quantidade maior de açúcar residual nos vinhos. Já Sercial e Verdelho, que dão origem aos estilos seco e meio-seco, são fortificados no final da fermentação, até que quase todo o açúcar do mosto tenha sido convertido em álcool.
Ao final do processo, os vinhos ficam com cerca de 17 a 18% de álcool.
O ENVELHECIMENTO EM CANTEIRO OU ESTUFAGEM
Depois de pronto, o vinho precisa amadurecer através de um processo de aquecimento, que dá origem aos seus sabores tão peculiares. A forma mais simples e rápida é a Estufagem. Neste processo, o vinho é colocado em tanques selados, que possuem uma serpentina interna por onde passa água a uma temperatura de 45 graus Celsius, que aquece gradualmente a bebida por, no mínimo, 3 meses. É o processo mais rápido e simples, e é utilizado na grande maioria dos Vinhos da Madeira, principalmente os produzidos com a Tinta Negra.
Cubas de estufagem de Vinho da Madeira | Foto: Reprodução / Vinhos Henriques & Henriques
A outra forma de aquecimento é o sistema de Canteiro, processo pelo qual os barris de vinho são deixados em armazéns com temperaturas naturalmente mais elevadas, pelo período mínimo de 2 anos, mas que pode chegar a 20 anos ou mais, dependendo do estilo a ser elaborado. Este processo é mais caro e demorado, e dá origem aos vinhos de maior qualidade, produzidos, principalmente, com as uvas Sercial, Verdelho, Boal e Malvasia.
Sistema de Canteiro no Blandy’s Wine Lodge | Foto: Reprodução / www.porto24.pt
CLASSIFICAÇÕES E DENOMINAÇÕES
Historicamente, os Vinhos da Madeira foram divididos em duas categorias: os blends, que possuem uma idade genérica e geralmente são produzidos com predominância da Tinta Negra, e aqueles que foram produzidos a partir de uma única casta e safra, conhecidos como Colheita ou Vintage. No entanto, outras denominações importantes podem ser encontradas nas garrafas de Vinho da Madeira:
- Frasqueira (ou Garrafeira): raro e de altíssima qualidade, esse estilo possui indicação do ano de colheita e deve envelhecer pelo sistema de canteiro por, no mínimo, 20 anos.
- Colheita: como mencionado anteriormente, é um vinho com indicação do ano de colheita. Deve ser envelhecido em barricas de madeira por, no mínimo, 5 anos.
- Solera: vinho submetido a um envelhecimento em canteiro, utilizando o Sistema de Solera, mesmo utilizado nos Jerez. Não é mais produzido, mas ainda existem diversos exemplares no mercado.
Esquerda e centro: Frasqueira 1995 e 1988 | Foto: Reprodução / pleasethepalate.com
Quanto à idade, os Madeiras obedecem às seguintes classificações:
- Reserva (ou Velho, Reserve, Old ou Vieux): vinhos com 5 anos;
- Reserva Velha (ou Reserva Especial, Muito Velho, Old Reserve, Special Reserve ou Very Old): vinhos com 10 anos;
- Reserva Extra: vinhos com 15 anos.
Vinho da Madeira | Foto: Reprodução / madeirawine.nl
Quanto às características, podem ser designados:
- Rainwater: vinho leve, com coloração pálida. Geralmente um blend com predominância de Tinta Negra, envelhecido por 3 anos através de estufagem. Bom para cozinhar.
- Finest (ou Seleccionado, ou Selected Choice): geralmente um blend com predominância de Tinta Negra, e envelhecido por 3 anos através de estufagem. Bom para cozinhar.
CARACTERÍSTICAS E HARMONIZAÇÃO
O Madeira é um vinho de textura mais licorosa e, por ser fortificado, possui um teor alcóolico mais elevado. Sua coloração varia do âmbar até uma cor de café mais escura. Por ser elaborado em diversos estilos, que vão do seco ao doce, as nuances de aromas e sabores podem variar bastante, mas quase todos eles vão lembrar caramelo, avelã e melaço.
A coloração âmbar de um Madeira | Foto: Reprodução / www.catavino.com
Quando se trata de harmonização com a comida, as possibilidades são enormes. A combinação de acidez e doçura do Madeira garantem um bom casamento com pratos bem condimentados, inclusive picantes e amargos, fazendo dele uma ótima escolha para acompanhar pratos de sabor mais exótico.
Os Madeiras Sercial e Verdelho (seco e meio-seco) ficam perfeitos quando servidos frescos (12°C), como aperitivo antes das refeições, ou na companhia de canapés, azeitonas e fiambres. O Verdelho também fica uma delícia com sopas e cremes.
O Boal (meio-doce) mostra o seu melhor quando servido por volta dos 16°C e cai muito bem na companhia de queijos ou de doces não muito intensos, a base de baunilha, chocolate ao leite e frutas secas. Já o Malvasia (doce) , que também pede uma temperatura de serviço por volta dos 16°C, combina lindamente com chocolate meio-amargo, sobremesas à base de café, ou mesmo sozinho, como um digestivo após a refeição.
Não dá pra esquecer, também, a quantidade de pratos deliciosos que levam Vinho Madeira na receita. Além do clássico Bife ao Molho Madeira, os vinhos no estilo meio-doce e doce criam molhos deliciosos para carnes de frango, pato, cordeiro e coelho.
PRODUTORES PARA CONHECER
- HM Borges
- Henriques & Henriques
- J. Faria & Filhos
- Justinos
- Madeira Vitners
- Madeira Wine Company
- Barbeito
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