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ÁFRICA DO SUL: Constantia e seus vinhos secos

PRIMEIRA PARADA: CONSTANTIA

(parte 1)

A África do Sul é um país grande, mas a região que concentra quase todos os produtores de vinho é conhecida como “Western Cape”, ou Península do Oeste. É próximo à costa Sudoeste que se encontram condições climáticas favoráveis à produção de vinhos, descobertas ainda na época da colonização europeia. A área sobre a qual vou escrever neste post é Constantia, a mais antiga região produtora da África do Sul. Foi ali que, em 1685, estabeleceram a primeira vinícola do país – em atividade até os dias de hoje!

A região é conhecida pelo Vin de Constance, um vinho doce histórico que faz sombra com sua fama para os tintos e brancos sensacionais que saem dali. Felizmente, consegui provar um pouco de tudo na minha viagem, e vou deixar os vinhos doces para o próximo texto. Hoje quero compartilhar algumas das melhores garrafas que bebi no estilo seco – e deixar para o próximo post dicas de vinhos de sobremesa e algumas barbadas de bom custo-benefício.

UM POUCO DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA

Então: de onde partiu a ideia de plantar videiras na África do Sul? Os holandeses fundaram a Cidade do Cabo em 1652 e em pouco tempo começaram a plantar trigo e cevada. Sempre com tino comercial, os produtos eram usados tanto para a alimentação local como para a venda na metrópole. Constantia foi oficialmente a primeira propriedade autorizada a produzir vinho pelo governo, e em menos de uma década havia um fluxo regular da sua produção destinada ao mercado europeu (afinal, a Holanda não tinha produção própria de vinhos e desejava se abastecer sem depender da França e de outros vizinhos europeus).

Constantia, África do Sul | Foto: Álvaro Lima

A região de Constantia está localizada a meio caminho entre a costa da Cidade do Cabo e a Península do Cabo. Quem vai da cidade rumo ao Sul tem que contornar o plateau conhecido como Table Mountain, que abriga os Twelve Apostles (os Doze Apóstolos, uma cadeia de montanhas que acompanha a Costa). A Oeste de Constantia é possível ver o mar, ou melhor, a chamada False Bay (Baía Falsa), que é a parte do oceano que cerca a Península do Cabo. A Leste, as montanhas desenham a paisagem.

Essa cadeia de montanhas costeira que chega a atingir mil metros de altura foi formada durante um processo geológico muito antigo, que comprimiu a costa do Sul da África contra a Patagônia antes da separação da Gondwana (aquele continente único que existiu há 200 milhões de anos). Ela é a grande responsável pelas condições favoráveis que encontramos em Constantia: na base do maciço, solos pobres de granito e argila decompostos recebem a água que se condensa no topo e desce pela costa em quantidade suficiente para as vinhas. As costas das montanhas também oferecem inclinações solares atraentes para plantar as uvas, garantindo maior ou menor tempo diário de exposição solar, conforme a casta que se deseja produzir. A elevação ainda canaliza o vento frio e seco que vem das correntes da Antártida e entra pela False Bay, regulando as temperaturas máximas da região e protegendo as uvas contra o aparecimento de pragas e doenças (por essa razão, a influência marítima foi carinhosamente apelidado de “médico da Península”, ou Cape Doc).

Constantia, África do Sul | Foto: Álvaro Lima

UM MUNDO DE VINHOS BRANCOS

A uva dominante na região de Constantia é atualmente o Sauvignon Blanc, que ocupa a maioria dos vinhedos com inclinação solar sul e sudeste, resultando em vinhos de belíssima acidez e complexidade, deliciosamente baratos! Eles são semelhantes aos Sauvignon Blanc neozelandeses em frescor, mas tem mais corpo e um álcool mais elevado (passando dos 14% em alguns vinhos!). Se comparados aos Sauvignon Blanc chilenos, eles são frequentemente mais delicados no nariz, mas com um fundo mineral em boca que acrescenta complexidade, graças ao solo e ao amadurecimento lento das uvas. E já falei que por lá são inacreditavelmente baratos, não?

Outra uva branca originária da França que se deu bem na região é a Sémillon, usada principalmente em cortes com o Sauvignon Blanc. A receita é simples: a Sémillon é plantada em áreas com mais exposição solar e vinificada em contato com madeira, para depois fazer o corte com o Sauvignon Blanc. O vinho resultante é chamado de white bordeaux blend (corte bordalês branco), equilibrando as notas de fruta madura do Sémillon com o frescor e jovialidade do Sauvignon Blanc. Não tem erro!

Visitei dois produtores que vêm se afirmando como “mestres” dessas duas castas. Um deles é Klein Constantia, propriedade histórica com várias opções de Sauvignon Blanc. A qualidade do Sauvignon Blanc de entrada deles é tanta que não precisamos ir mais além (150 rands, 120 mil garrafas produzidas)! As opções superiores eu recomendo somente para os mais entendidos: são rótulos focados em microterroir, com uma busca de perfeição sutil que se reflete no preço sem sutileza. Apesar disso, deixo como referência adicional o Metis – uma parceria com o produtor francês Pascal Jolivet, especialista em Sancerre e Pouilly-Fumé (250 rands, 15 mil garrafas). Com uma edição limitada, esse Sauvignon Blanc consegue ser refrescante, profundo e provocador, com imperceptíveis 14,12% de álcool!

Line up de Sauvignon Blanc na Klein Constantia | Foto: Álvaro Lima

O segundo produtor de Sauvignon Blanc que recomendo é o Cape Point Vineyards. Ele se retirou da denominação Constantia por razões comerciais, mas seus melhores vinhos ainda são produzidos na região. E que vinhos! “Decidimos arrancar todas as outras castas e nos dedicar somente ao Sauvignon Blanc, com a exceção de uma pequena parcela de Sémillon para nosso ícone”, conta Luke, gerente de degustação da vinícola. O ícone se chama Isliedh, um nome gaélico difícil de pronunciar até para os sul-africanos (lê-se Ai-lé). Felizmente, o conteúdo da garrafa pode ser apreciado sem barreiras linguísticas: custa 265 rands e, desde as primeiras safras no início dos anos 2000, já levou nove vezes a nota máxima do guia Platters, mais famosa referência de vinhos no país. Há também duas opções de Sauvignon Blanc reserva que entregam muita qualidade sem acréscimos elevados de preço: Noordhoek Sauvignon Blanc (150 rands) e o Reserve Sauvignon Blanc (190 rands).

Reserve Sauvignon Blanc e Isliedh, da Cape Point Vineyards| Foto: Álvaro Lima

TINTOS CORAJOSOS

Sinceramente, eu não esperava tanto dos tintos de Constantia – mas como é bom estar errado! Os dois primeiros produtores que visitei na região, colados nas montanhas, se valem de alguns vinhedos de inclinação Norte para entregar belíssimos tintos de castas bordalesas e de Syrah. Essa posição solar específica, associada à latitude (semelhante à do Uruguai) garante mais tempo diário de exposição solar para as uvas, que também ficam várias semanas a mais no pé após a colheita das brancas. Com essa maturação lenta, o resultado são tintos com muita fruta e estrutura tânica, sem perder a acidez!

Os melhores cortes bordaleses que tomei nesse estilo vieram de Constantia Glen. Os vinhos se chamam Three e Five. O primeiro é feito com três variedades de uva e o segundo com cinco, que é de onde eles tiraram os nomes. “Antigamente os vinhos tinham rótulos diferentes, mas as pessoas que provavam em degustações voltavam para comprar as garrafas pedindo pelo blend de cinco uvas ou pelo blend de três. Ouvimos os clientes e decidimos mudar os nomes, para facilitar”, conta o proprietário da vinícola, Dr. Horst Prader. Ele não esconde a sua preferência pelos tintos bordaleses. “O Three tem predomínio de Merlot e inspiração na margem direita de Bordeaux. O Five tem mais Cabernet Sauvignon e lembra um vinho da margem esquerda”, analisa. Para quem conhece bem os franceses, essa associação é perceptível na taça, com uma diferença: para tomar vinhos dessa qualidade em Bordeaux, seria necessário desembolsar, no mínimo dez vezes mais: o Three custa 270 rands e o Five 390 rands (convertendo, isso daria R$ 80 e R$ 115, respectivamente).

Dr. Horst Prader e seus vinhos, na Constantia Glen | Foto: Álvaro Lima

Outro produtor com tintos de destaque é o Eagle’s Nest. Ali o foco são os varietais, entre os quais dois merecem destaque: o Syrah, que já foi eleito algumas vezes o melhor varietal do país pelo Platters) e o Merlot, que recebeu em outra competição nacional o título de melhor Merlot da África do Sul. São ambos vinhos muito concentrados e prazerosos, mas com bastante tensão (acidez e tanino). Eles custam na faixa de R$ 100, e merecem ser provados com atenção.

O Syrah da Eagle’s Nest | Foto: Álvaro Lima

Cenas do próximo capítulo:

No próximo texto, quero compartilhar o que provei e aprendi sobre o famoso Vin de Constance, além de algumas dicas de vinhos mais em conta vindos desta mesma região. Até lá!


TUDO SOBRE A ÁFRICA DO SUL

  1. Enoturismo na África do Sul – Introdução
  2. Constantia e Seus Vinhos Secos (você está aqui)
  3. Constantia e o Vin de Constance

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